terça-feira, 22 de maio de 2012

Crônica 3

Fica ainda melhor se simultaneamente à leitura, você ouvir a música: Naked as we came - Iron & Wine




Ele sempre soube, desde o princípio que um dia, tudo ia terminar. Ele se protegeu enquanto pôde. Sofreu antecipado para não sofrer depois. Nunca se entregou totalmente. Ficou com os dois pés atrás, e o peito ainda mais.
E quando se deu o inevitável fim, ele pensou não sofrer. Manteve-se sempre tão distante, que foi uma grande surpresa quando percebeu que ela fazia falta. Tanta falta, que ele se incomodou com o fato dela ter passado despercebida tantas vezes ao longo dos anos.
Ela estava sempre ali esperando sua chegada e mesmo que seu sorriso estivesse escondido há muito, sabia que estava em algum lugar e ele podia sentir seu cheiro de longe. Ela sempre cuidava de tudo e ele não agradecia quando encontrava as roupas lavadas, passadas e guardadas milimetricamente uma em cima da outra, exatamente no mesmo lugar todos os dias. O jantar estava sempre servido, a comida sempre fresquinha e quente como ele gostava e as coisas sempre arrumadas em seus devidos lugares. Ele nunca agradeceu por ela cuidar tão bem do jardim, mesmo que ele conseguisse visualizar o resultado nas roseiras, que de tão grandes, já alcançavam o muro e dava para ver do lado de fora do portão. E o principal: A voz dela. Aquele timbre inigualável, suave e doce e quando tenso, um pouco mais agudo do que se considera agradável. Aquela voz estava sempre ali, para acalmar, conversar, responder, discutir, acariciar, sorrir. Ele podia ter percebido que isso faria falta, mas não. Além de muitos detalhes, ele também não se lembrou das muitas vezes que ela disse “eu te amo” e esperou pelo beijo que ele dava de forma apressada por achar que estava sempre atrasado para algo mais importante. 
Ele buscou na memória, muitas vezes, os motivos que o fizera estar com ela. Aquela mulher, que ainda era menina e que trazia consigo um cheiro de flor e beijos cheios de desejos inocentes. Aquela menina que tinha muitos sonhos e que às vezes parecia flutuar além do normal pensando no mundo e suas possibilidades. Ele tentou, ele sabia que precisava se lembrar, mas ele havia guardado esses sentimentos numa caixinha, e essa parecia ter caído do bolso furado nalgum lugar no meio do caminho.
E quando ele encontrou, tudo mais havia se perdido. Ela nunca mais voltaria. Não porque não quisesse, porque por mais que o amor dele por ela fosse frágil, o dela se manteria forte e inabalável por décadas. Ela não voltaria porque o destino furtou todo o futuro que poderiam ter tido. Ele percebeu que aquela moça, com quem ele sempre fora frio, sem dar muita importância, o fez chorar rios e rios quando partiu desse mundo. E quando ela não estava mais lá, o silêncio foi ensurdecedor e ele gritou de agonia muito mais de uma vez. Como poderia tudo ter ficado tão cinza, se para ele, muitas vezes ela pareceu não ter cor alguma?
Ele chorou mais uma vez. E outra. E ainda mais quando percebeu que nada do que ele fizesse mudaria o que estava feito. Ele brigou com o mundo, se trancou e ficou cada vez mais íntimo do escuro. A dor de não tê-la foi tão grande que ele suportou até o fim e num dia frio de verão, ele foi ao seu encontro. 
Mesmo sabendo que poderia ter a eternidade, cada milésimo de segundo pareceu pouco para dizer todas as coisas que ele nunca havia dito e dar todos os beijos que haviam sido roubados pela barreira que fora colocada entre os dois. E depois de tanto tempo, ele sorriu. Estava em paz. Estava enfim, com a sua paz.